Flór de Lótus
- josiaportela
- 11 de ago. de 2014
- 5 min de leitura

[MATÉRIA PUBLICADA NA REVISTA ESTILO MAIS - ANO VII Nº 60 – AGOSTO/2011 – COM CIRCULAÇÃO EM CAMPINAS-SP]
Está no dicionário que o significado de superar é fazer “desaparecer, cortar, desfazer, destruir”. Durante a vida, situações adversas podem tirar o conforto do cotidiano e provocar dificuldades. Sejam elas motivadas por problemas de saúde, financeiros, profissionais ou familiares, o segredo da superação está em encontrar através do autoconhecimento forças, muitas vezes até então desconhecidas, para enfrentá-las.
A reação mais comum é buscar o distanciamento de tudo que possa trazer lembranças dos momentos difíceis. Porém, existem casos que mostram que é possível, sim, superar sem se desfazer totalmente do que passou e usar sua experiência para levar esperança e suporte para quem compartilha as mesmas vivências.
Esse é o caso de nossa entrevistada Fabiana, a psico-oncologista que vivenciou de perto a angústia de seus pacientes.
“Acho que é a vontade de viver. Quando você tem vontade de viver, supera qualquer coisa. Chega ao fundo do poço, mas fala ‘NÃO, eu vou levantar!”. São com essas palavras que Fabiana Marthes Caron define seu significado particular de superação.
Aos 36 anos, é psico-oncologista e psicóloga hospitalar do COC (Centro de Oncologia Campinas), cargo que exerce também na Casa Ronald Campinas, na qual presta atendimento infantil e às famílias dos pacientes; e no Grupo Rosa e Amor, ONG que atua no suporte a mulheres com câncer de mama. Também é Doutoranda em Psicologia Oncológica na UCES Buenos Aires.
O interesse pela oncologia é antigo e começou durante a faculdade, há dez anos, como conta: “Sempre quis seguir essa área, tanto que fiz meu quinto ano e estágio em psico-oncologia”. Porém, o conhecimento que possui da doença vai além da teoria e da convivência com seus pacientes. Fabiana vivenciou a mesma angústia nas cadeiras de quimioterapia.
Após o nascimento de seu filho, Fabiana afastou-se por três anos de sua carreira profissional. Quando se preparava para retornar e cursar uma pós-graduação, aos 31 anos, veio a surpresa. Embora os casos tenham duplicado nos últimos cinco anos, a faixa etária em que se encontrava era prematura para a incidência do câncer de mama. “Eu tinha tudo a favor para não ter. Tive filho jovem, amamentei, não tem caso nenhum na minha família”, relata. “Um dia estava em casa, tirando uma camiseta apertada, bati a mão e senti alguma coisa. Já me deu uma coisa ruim”, conta.
Seguindo o conselho do marido, rapidamente Fabiana buscou um oncologista. O tempo entre o diagnóstico e a operação foram seus aliados. “Foi tudo muito rápido. Na terça-feira fiz a biópsia, na sexta-feira chegou o resultado e após uma semana eu estava operando”, relembra.
Os exames revelaram um tumor menor do que os médicos previam. “Eles achavam que tinha mais de um centímetro. Então era caso para protocolo de quimioterapia. Com o resultado da biópsia, veio a surpresa: tinha sete milímetros, portanto era não palpável”. O que o tornou perceptível foi o resultado de uma defesa do organismo que, ao tentar encapsulá-lo, gerou fibrose ao seu redor.
Fabiana explica que tumores com até um centímetro tem 98% de chance de cura e levam de quatro a oito anos para atingirem essa dimensão. Ao ultrapassá-la, a possibilidade cai para 80% e ele se torna mais agressivo, pois duplica de tamanho a cada três dias. Isso torna a chance de metástase muito mais rápida.
O caso dela foi incomum, grande parte das mulheres só nota o tumor quando este provoca dor, ao ultrapassar a medida um centímetro.
A alternativa para reduzir a fatalidade da doença é um exame simples, como esclarece: “É inadmissível tanta mulher morrer de câncer de mama, sendo que uma mamografia salvaria a vida. Se o diagnóstico é feito com meio centímetro, é 99% cura! E às vezes sem fazer quimioterapia, radio, nada”.
Baseado na proporção do tumor encontrado, o protocolo que tornava obrigatória a quimioterapia não se aplicaria ao caso de Fabiana. Ela poderia fazer sua opção. O pensamento no futuro foi determinante para sua opção. “Falei para o meu marido e minha mãe: ‘Vou fazer porque se um dia lá na frente o câncer voltar, o que não vai acontecer, posso dizer que fiz tudo que podia fazer’. Não deixei escapar uma chance”, complementa.
Sua própria experiência passou a fazer parte do seu diálogo como psico-oncologista. “Fiz a quimioterapia por seis meses. Sempre falo para os pacientes que sabem que tive câncer e eles até se identificam. Uma coisa é estar do lado de fora, a outra coisa é estar na cadeira sentada, tomando a quimio. Também tive medo de passar mal”, conta Fabiana.
A confiança no trabalho do qual faz parte e o pensamento positivo foram essenciais durante o tratamento. Enquanto os médicos alertavam sobre todos os possíveis efeitos colaterais, Fabiana enfatiza que manteve o otimismo ao acreditar que teria o mínimo possível de reações. “Pensei assim, tanto que não tive nada. Eu ia dirigindo e voltava sozinha da quimioterapia”, conta.
Surpreendendo os médicos, nem mesmo as queimaduras da radioterapia apareceram. “Foi tanta coisa que me falaram e não aconteceu praticamente nada”, comenta. Durante o tratamento, Fabiana se afastou por dois anos do trabalho. O segundo ano, como conta, foi o que ela chama de “ano sabático”. Durante ele, pôde se dedicar a tudo que gostava, como exercícios físicos, triátlon e passeio com as amigas.
Após o término do tratamento, era questionada se permaneceria com seu trabalho na área de oncologia. A argumentação sobre sua decisão veio prontamente, como enfatiza: “Eu já trabalhava com isso e adorava. Por que agora que tive a mesma coisa, não posso falar no assunto, fazer de conta que não existe? Lógico que vou continuar trabalhando com isso!”.
Decidiu retomar sua vida profissional a partir do ponto em que a doença interrompeu. Além de manter-se na área da oncologia, Fabiana utiliza sua própria vivência para dar suporte a outras mulheres com câncer de mama. Em paralelo ao seu trabalho no COC e na Casa Ronald, tornou-se voluntária do Grupo Rosa e Amor. Lá, além de psico-oncologista, compõe o chamado “Grupo de Acolhedoras”. Composto por ex-pacientes, a intenção da equipe é prestar acolhimento a cada nova internação por câncer de mama pelo SUS em Valinhos e Vinhedo. Como reforça, é comum que pacientes com câncer não vislumbrem futuro e relacionem a doença sempre à morte. É nisso que o Grupo se fundamenta. “Tem que ser uma que já teve para mostrar para a paciente que há possibilidade de ter amanhã e ela também pode ser uma vencedora, superar”, conclui.
Depois de vencer os obstáculos do câncer, Fabiana esboça o desejo de trazer consigo mais uma marca definitiva dessa etapa vivenciada, porém essa vai além dos limites das lembranças e da cicatriz deixada pela retirada do tumor. Escondida na lombar, ela traz na pele o desenho de uma fênix. Feita após o término do tratamento, a motivação foi sua história de superação, já que a personagem nasce e morre das próprias cinzas, ainda mais forte.
Como inspiração, a próxima tatuagem segue o mesmo contexto e já está nos planos. “Depois de tudo isso, que estou voltando para minha parte profissional, vou fazer uma flor de lótus”, conta. “Ela nasce dentro de pântanos lodosos. Nasce lá embaixo, na escuridão, consegue subir e chegar à superfície, na luz, e se transformar em uma flor maravilhosa. Consegue passar tudo isso. Poderia desistir e morrer, mas nasce limpa, linda, colorida no meio do lodo”.
Comentarios