top of page

São Luiz renovada, transpirando fé e cultura

  • josiaportela
  • 15 de jun. de 2011
  • 5 min de leitura





Sábado, meio dia. O som de um rojão anuncia que a distribuição do Afogado terá início. De longe já se pode ver desde cedo a fila que reúne toda uma cidade e também visitantes em busca do “alimento do Divino”. Mais do que uma comida, como um senhor me explicou uma vez, é um sinal de FÉ. Tanto que todo ano faz questão de levar para o restante da família que ficou na cidade próxima. E garantiu que todos devem comer ao menos um pouco. A benção com água benta ao final da preparação, antes da distribuição, feita pelo Padre da cidade, reforçam essa crença, a fé.

Não importam quantas pessoas ainda estão na frente, o frio, o bafo quente do sol. Cada um segura com cuidado seus recipientes nas mãos, aguardam com toda a paciência o momento de receberem seu tanto de carne, batata, macarrão servidos com feijão, arroz e farinha. Todos doados pelos moradores.


Do outro lado, várias pessoas circulam entre as panelas gigantes, a fumaça que torna o ambiente muito quente, o chão cheio de panelas e pequenas “fogueiras” onde o alimento é aquecido. “Licença, moça!”. Sou surpreendida enquanto me mantenho entretida fotografando aqueles que servem e os luizenses que aguardam a sua vez de serem servidos. Dou passagem e lá se vai rapidamente mais uma panela fervente, um voluntário já coloca uma enorme concha e distribui para o próximo da fila.


Fartura é a palavra certa. São abatidos em média 15 a 20 bois para preparar o prato. E mesmo com o relógio marcando quase 16h, a fila do Afogado ainda continua.


Boa parte da cidade circulando com as bandeiras do Divino. Na sala do Império, em um canto, presas nas fitas de uma delas, estão fotos e pequenos papéis que representam os pedidos. Em um altar, pessoas ajoelham-se para fazer suas orações. Tudo ali é muito colorido, predominando o vermelho. Em qualquer canto da cidade, tudo transpira religiosidade.


Para a festa, o casal João Paulino e Maria Angú, famosos bonecões que circulam pela cidade e divertem crianças e adultos, ganham até roupa nova. A ocasião merece um novo visual! Já o famoso Curiango, ou Benedito Maria dos Santos como poucos conhecem, tira uma foto comigo pouco antes de se caracterizar como o Espanta Vaca. Maquiagem pronta, ele ajuda a vestir os bonecões antes de completar o seu próprio visual.


E lá se vai o trio descendo pela rua em frente à Igreja do Rosário, rumo às ruas do Centro Histórico até chegarem na praça. Curiango, ou Espanta Vaca, vai fazendo caras e bocas, caretas e sorrisos, assuntando crianças e arrancando risos de todas as idades.


No domingo, a fila no Mercado Municipal novamente. Dessa vez, nada de Afogado. É a vez da paçoca com café que começa logo cedo. Quando o relógio marca 10h ela parece diminuir, mas ainda há quem busque seus copinhos.

O som das batidas domina a cidade. Aqui, ali. Em cada canto do Centro Histórico, um grupo diferente, devidamente caracterizado se apresenta. Crianças, adolescentes, adultos, idosos. Não importa a idade, todos tem algo em comum: expressar a cultura e o caráter folclórico.


Meninas em uma dança e coro sincronizados trançam fitas em um mastro e a desfazem na mesma velocidade. “Cabelo loiro vai lá em casa passear, vai. Cabelo loiro, vai acabar de me matar”. Elas cantam repetidas vezes… e nós, depois de um tempo, entramos no ritmo também. É o grupo Trança Fita. Mantenho-me próxima a elas para fotografar. Uma das meninas me entrega uma flor de papel azul com um sorriso sincero. Presente simples, mais uma lembrança daquela cidade por qual me encantei, além das tantas outras que ficam só na memória. [Aliás, durante a redação desse texto, olhei para ela um bom tanto de vezes para me inspirar.]


Esse é só um trecho do cenário de São Luiz do Paraitinga, em um momento especial que é a Festa do Divino Espírito Santo. Há um ano presenciei minha primeira passagem por lá, a minha primeira Festa e também a que sucedeu a “tragédia” (se é que posso assim chamar, pois alguns luizenses dispensam essa palavra) do início do ano provocado pelas chuvas. O encanto foi tanto que confirmou-se como tema do TCC e deixou de ser “aquela cidade que foi inundada. Qual é o nome mesmo?”, como eu mesma disse quando tive uma luz para uma possível ideia quando buscávamos um assunto para retratar.


A cidade que passei um ano olhando pelo viés da enchente que castigou quase toda a cidade, parece totalmente renovada. Durante o período que vivenciei por lá em curtas, mas valiosas visitas, pude notar como pouco à pouco tudo foi sendo colocado no lugar, sendo encaixados nos eixos, voltando à rotina. O povo que foi curando as feridas sem perder a fé e força, as mantém ainda mais vivas.


Como Hélio, ou famoso Helinho Dindon como é conhecido (peça essencial do TCC, figura da cidade e, acima de tudo, alguém que guardo como um amigo), diz, a enchente já é um passado. Ninguém mais lembra. Sim, o esquecimento é essencial. “Levanta, sacode a poeira e dá a volta por cima”. Isso o povo luizense sem dúvida soube fazer muito bem. Muitos perderam quase tudo, mas pouco a pouco foram se reconstruindo. Sem jamais perder a fé, o otimismo, o sorriso estampado no rosto. A simpatia deliciosa de se presenciar.


A tão “querida” Matriz, como muitos luizenses consideram, que foi destruída quase que por completo, ainda continua aos pedaços. É atualmente um dos principais sinais da destruição da enchente. Mas entre as estruturas que restaram, um altar foi montado e enfeitado para ceder lugar à celebração das missas. Como se para estar mais próximo de onde aconteciam as celebrações dos anos anteriores à 2010. Em frente à ele, as cadeiras espalhadas pela praça Oswaldo Cruz são devidamente ocupadas por moradores e visitantes em todas as cerimônias religiosas.

Já a outra pequena igreja que também cedeu à força das águas, a Capela das Mercês, já está com a estrutura quase pronta. Logo, logo a restauração se estenderá a Matriz.


Talvez seja difícil transmitir através de palavras o que uma cidade tão pequena, de pouco mais de 10.000 habitantes, pode significar. Porém, espero que minhas impressões possam despertar as curiosidade de conhecê-la de perto. E acima disso, que possam trazer o mesmo encantamento que tive e que continua se renovando a cada visita.

E como uma imagem vale mais do que palavras, mais do que transcrever isso, pude fotografar essas manifestações que podem ser vistas em meu Flickr. [14/06/11 – As 600 imagens que tirei ainda estão sendo selecionadas, mas devem estar disponíveis a partir de 15/06.]


[Em 2010, conclui [posso dizer que “com chave de ouro”] o curso de Jornalismo com o TCC sobre São Luiz do Paraitinga que deu origem ao livro “Um novo amanhecer em Paraitinga”. Registro fotográfico da enchente e da superação, cultura, peculiaridades da cidade, esse fotodocumentário demonstra também um pouco do que são as pessoas que a compõe. Afinal, sem elas, a cidade não seria a mesma. Ainda é só um livro que permanece guardado na mãos de poucos, mas um sonho que espero levar em frente e envolver leitores com o encatamento que São Luiz provocou em mim e em tantos outros visitantes. #amém ]

Comments


Josiane, jornalista, profissional de marketing, fotógrafa, com uma aspiração por ser escritora e um quê de quem gosta de filosofar sobre tudo. (saiba mais aqui)

Categoria

Arquivo

  • Facebook - Black Circle
  • Twitter - Black Circle
  • Instagram - Black Circle

© 2016 by Josi Portela

bottom of page